A Receita Federal publicou uma orientação para seus fiscais que amplia as possibilidades de inclusão de terceiros, como responsáveis solidários, em autuações tributárias. Pelo Parecer Normativo nº 4, da Coordenação-Geral de Tributação (Cosit), qualquer pessoa com interesse na situação que gerou a cobrança poderá ser responsabilizada – não só sócios e administradores.
O texto também elenca situações. Traz três: quando existir abuso de personalidade jurídica, evasão fiscal e simulação de atos por terceiros ou planejamento tributário considerado abusivo.
Para o advogado Diego Miguita, do Vaz Buranello Shingaki & Oioli Advogados, o parecer dá margem para que qualquer um que participe de um planejamento tributário considerado abusivo, por exemplo, possa ser responsabilizado – como gestores e administradores de fundos de investimento em participações e adquirentes de ações, além de vendedores que tenham ganho de capital. Com a norma, acrescenta, a tendência é aumentar o número de execuções com pessoas integrando, de forma ilegal, o polo passivo.
Essa é a terceira sinalização da Receita Federal, em menos de um mês, que indica que a fiscalização deverá fechar ainda mais o cerco aos contribuintes para o pagamento de dívidas tributárias. No dia 14 de novembro, o órgão publicou a Portaria nº 1.750, que autoriza a divulgação, em seu site, das representações encaminhadas ao Ministério Público Federal contra suspeitos de cometerem crimes contra a ordem tributária e a Previdência Social. A portaria tem por base a Lei de Acesso à Informação (nº 12.527) e transparência fiscal.
A Receita também realizou uma consulta pública, encerrada no dia 6 deste mês, para elaborar uma nova instrução normativa para tratar da indicação de terceiros em outros momentos, e não só naquele em que o fiscal lavra o auto de infração, como é atualmente.
Apesar do Parecer Normativo nº 4 ter sido fundamentado no artigo 124, inciso I, do Código Tributário Nacional (CTN), advogados tributaristas afirmam que as situações elencadas para a responsabilização de terceiros extrapolam o que estabelece o dispositivo e baseiam-se em decisões do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) sobre temas controvertidos.
O artigo 124, inciso I, determina que podem ser consideradas responsáveis solidárias “as pessoas que tenham interesse comum na situação que constitua o fato gerador da obrigação principal”. Porém, segundo a advogada Diana Piatti Lobo, sócia do Machado Meyer Advogados, não há no CTN uma definição sobre o que seria esse interesse comum, o que deu margem para uma interpretação mais abrangente da Receita.
Mas a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ), destaca a advogada, traz uma definição: interesse comum não se trata de interesse meramente econômico, mas um interesse jurídico comprovado com intenção de participar daquele ato. “O que nos preocupa nesse parecer é que existem situações elencadas de caráter exemplificativo, que dependeriam de um forte contexto comprobatório, e que podem induzir ou estimular autuações”, diz Diana.
Pelo parecer normativo, “a responsabilidade tributária solidária pode decorrer de interesse comum da pessoa responsabilizada na situação vinculada ao fato jurídico tributário, que pode ser tanto o ato lícito que gerou a obrigação tributária como o ilícito que a desfigurou”. Para tanto, segundo o texto, deve-se comprovar que a pessoa a ser responsabilizada tenha vínculo com o ato e com a pessoa do contribuinte ou do responsável por substituição.
O texto traz os tipos de atos ilícitos que podem ensejar a responsabilização. O primeiro deles trata do abuso da personalidade jurídica, “em que se desrespeita a autonomia patrimonial e operacional das pessoas jurídicas mediante direção única (grupo econômico irregular)”.
Para o advogado Luiz Rogério Sawaya, do sócio do Sawaya & Matsumoto Advogados, o simples fato do grupo econômico ter uma direção única não significa que exista abuso de personalidade jurídica e confusão patrimonial. “Isso precisaria ser melhor explicado porque é muito comum que um grupo tenha o mesmo controlador. E não significa que há qualquer irregularidade”, afirma.
O parecer, acrescenta Sawaya, não pode extrapolar o que diz o CTN e o Código Civil e tentar responsabilizar qualquer um do grupo econômico para satisfazer uma dívida tributária. “Isso está virando uma onda no direito tributário, mas não tem base legal e não condiz com a jurisprudência do STJ”, diz o advogado.
Como segunda situação aparece “evasão e simulação e demais atos deles decorrentes”. E em terceiro está “abuso de personalidade jurídica pela sua utilização para operações realizadas com o intuito de acarretar a supressão ou a redução de tributos mediante manipulação artificial do fato gerador (planejamento tributário abusivo)”.
Por Adriana Aguiar | De São Paulo
Fonte: Valor / Spednews