A mudança na tributação do ICMS para indústria e comércio tem gerado debates acalorados tanto no campo econômico quanto no político. Inicialmente, Federação das Indústrias (Fiesc) e Federação do Comércio (Fecomércio-SC) assumiram lados opostos quanto à Medida Provisória 220, com industriais que celebram a decisão sob o argumento de que ela aumenta a competitividade, enquanto varejistas criticam e dizem que ela gera aumento de preços e desemprego. Uma tentativa de apaziguar os ânimos ocorreu ontem, quando o governador Eduardo Pinho Moreira (PMDB) recebeu os presidentes das entidades.
No encontro, ficou acordado que técnicos da Fiesc e da Fecomércio conversarão para formalizar uma proposta que agrade a todos. Quando ela estiver pronta, deverá ser apresentada ao secretário Paulo Eli, da Fazenda, para análise. O presidente da Fiesc, Glauco José Côrte, acredita que, por fim, deve-se chegar a um bom termo tanto para indústria quanto para o comércio. Segundo ele, a discordância de Fiesc e Fecomércio se deu por “uma compreensão dos desdobramentos da medida”. Ele explica que a tendência é que seja retirado o setor têxtil da MP 220.
— Acredito que não vai haver dificuldades de acelerar a tramitação para que seja votado na terça-feira. Acho que ficamos bem, no geral — diz Côrte.
O embate também se estendeu à Assembleia Legislativa (Alesc), já que PSD e PMDB entraram em rota de colisão por conta da MP 220. Pessedistas apoiam a visão original da Fecomércio, ao passo que os peemedebistas defendem a medida do governo, com suporte da Fiesc.
O futuro da cobrança segue nas mãos dos deputados estaduais, que marcaram a análise em plenário para a próxima terça-feira. Se a MP for rejeitada, perde a validade. Se for aprovada, continua em vigor enquanto tramita nas comissões da Casa até voltar ao plenário para análise do mérito. Na semana passada, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), capitaneada pelo pessedista Jean Kuhlmann, apresentou um parecer pela inadmissibilidade da proposta. A derrota governista aconteceu sem a presença de peemedebistas, que estavam em um café com o presidenciável Henrique Meirelles.
No campo estritamente econômico, mesmo os industriais reconhecem que, como está hoje, a transferência de carga fará com que o varejo pague mais imposto, em detrimento de uma redução em outros setores. Segundo o consultor da Fiesc Nelson Madalena, que foi secretário da Fazenda na década de 1980, a grande questão ignorada até então é o fato de que a indústria está com possibilidade de baixar os seus preços, o que equalizaria as perdas do comércio.
— O mercado irá se ajustar, não pode ser diferente. Os agentes econômicos vão ter que se adaptar, senão ninguém vai vender — diz.
Ele usa como exemplo um produto hipotético que a indústria venda a R$ 100 para o comércio, que por sua vez o revende a R$ 150 para o consumidor final. Na regra antiga, a indústria pagava R$ 17 de ICMS, enquanto o comércio arcava com R$ 8,50. No novo sistema, a indústria paga R$ 12, ao passo que o comércio arcará com R$ 13,50, total de R$ 25,50 de imposto.
O ex-secretário diz que as indústrias, nesse caso, estão com a possibilidade de baixar o seu preço para R$ 95. Dessa maneira, seria mitigado o prejuízo dos varejistas. Além disso, ele entende que a nova regra traz benefícios para outros segmentos.
— Para as empresas que estão cadastradas no Simples Nacional (faturamento anual de até R$ 4,8 milhões), não há o sistema de crédito e débito de ICMS, portanto a redução da alíquota representa um aumento de competitividade — avalia o ex-secretário.
Economista diz que conta pode chegar no consumidor
Do lado do varejo, a reclamação é de que as indústrias não estão repassando essa diminuição dos preços, o que acaba por onerar o comércio. Segundo o economista Luciano Córdova, da Fecomércio-SC, não há margens para absorver um aumento tributário e, se nada for feito, a conta acabará indo para o consumidor final. Ele afirma ainda que não houve qualquer tipo de conversa com os segmentos antes da MP.
— Não se faz esse tipo de medida da noite para o dia. Muitas partes do comércio sobrevivem apenas dessa estrutura tributária já consolidada. Não pode se mudar um sistema tributário de uma forma tão rápida quanto foi agora. As empresas fazem planejamento de um ano. E a medida ainda é retroativa — diz Córdova.
Para o contador Odin João da Silva, que trabalha no varejo, a edição da MP causou “surpresa” e tem afetado supermercadistas e lojas de materiais de construção, segmentos em que “o giro é mais rápido”.
— O comércio é cliente da indústria. Ele é favorável à redução das alíquotas, mas não assim. Tem que revogar.
Acordo pode excluir têxteis
O setor têxtil também é bastante afetado pela MP 220, já que está sujeito a um regime tributário diferente e tem grandes redes de varejo como clientes preferenciais. Nesse ramo, a crítica é de que muitos produtos estão sendo devolvidos, uma vez que os clientes exigem um desconto de 6,35%, referente à redução do ICMS mais a diferença de Pis e Cofins. Ontem, segundo presidente da Fecomércio, Bruno Breithaup, foi alinhavado um acordo verbal para a retirada do setor da MP.
O presidente do Sindicato da Indústria Têxtil de Blumenau (Sintex), José Altino Comper, explica que boa parte das empresas opta por pagar um percentual fixo de 3,18% de ICMS sobre o seu faturamento, mas repassa um crédito a quem compra os seus produtos – redes de varejo, principalmente. Antes, eram repassados 17% do valor dos produtos. Com a mudança, esse valor caiu para 12%. É por isso que muitos clientes estão cancelando pedidos e até fazendo a devolução.
Comper pondera, no entanto, que nem todas as empresas têxteis estão sendo prejudicadas pela medida. Há quem não opte pelo regime dos 3,18%, e use o modelo tradicional de crédito e débito. É por causa dessa divisão interna que o Sintex recorreu à Fiesc:
— Pedimos que ela nos ajudasse a fazer uma redação para que ninguém ficasse prejudicado. Isso pode ocorrer por uma emenda ou por uma nova Medida Provisória.
O presidente do Sintex ainda defende a concessão de benefícios fiscais para a cadeia têxtil, como forma de proteger um setor que gera empregos e está ameaçado com a concorrência chinesa. Ele explica que, no caso de Goiás, por exemplo, a alíquota do ICMS é de apenas 1%, o que fez com que a Dudalina mudasse seu parque fabril para a cidade de Aparecida de Goiânia.
— No caso de São Paulo, a alíquota dentro do Estado é 0.Ontem, representantes do setor ocuparam as galerias da Assembleia Legislativa pressionando pela alteração na Medida Provisória.
Transparência nas isenções, diz Estado
O atual secretário da Fazenda, Paulo Eli, explica que a medida mexe com privilégios fiscais de seis grandes redes varejistas, que agora pressionam para que se revise a MP. Ontem, ele admitiu que há grande chance de que se retire o setor têxtil da medida. Segundo o secretário, havia a intenção de que a mudança das alíquotas do ICMS ocorresse por meio de um projeto de lei, porém houve pedidos de atacadistas, com apoio de deputados do PSD, para que se revogasse o decreto 1541, que mudava regras de cálculo do ICMS para o setor.
O secretário afirma ainda ter recebido notificações por parte do Ministério Público para dar mais transparência aos benefícios fiscais concedidos, em especial à cadeia têxtil.
— A medida tinha que ser feita. Não havia outra opção — defende-se Eli.
Por parte do Ministério Público, o entendimento é de que há uma “ausência de transparência” quanto à concessão de renúncias fiscais e é necessário saber se eles são concedidos igualmente.
— Para podermos analisar corretamente as consequências, precisamos primeiramente diagnosticar o setor. Se tudo estiver regular, obedecendo à lei e aos ditames constitucionais e preservando a isonomia tributária, a transparência e a igualdade de condições para o gozo de benefícios, não há qualquer preocupação para o setor. Porém, se existirem distorções, os problemas deverão ser corrigidos — diz o procurador geral de Justiça, Sandro José Neis.
Batalha política na Alesc
Nos corredores da Alesc, a MP 220 tem sido o principal assunto desde o dia 24 de abril, quando a CCJ emitiu parecer pela inadmissibilidade. O principal argumento utilizado pelos pessedistas para o arquivamento é de que a mudança nas alíquotas não atende ao caráter de urgência, necessário para a emissão de uma medida provisória. Os peemedebistas defendem a decisão, dizendo que ela traz mais competitividade para as indústrias. Como pano de fundo, aparece a disputa pelo governo do Estado nas eleições de outubro, em que os dois partidos devem estar em campos opostos.
O deputado Gelson Merisio, que trabalha para ser o candidato do PSD a governador, diz que o governo precisa “corrigir o equívoco” e que, por trás de tudo, está um aumento de impostos de R$ 58 milhões ao ano, citando fala do secretário Paulo Eli do dia 20 de abril.
— É um equívoco inconcebível. Destrói o setor têxtil. Nós não fizemos isso nem no pior momento da crise — diz Merisio, que tomou a frente do assunto dentro do PSD.
Do lado do PMDB, o líder do governo na Alesc, Valdir Cobalchini, diz estar aberto ao diálogo e que eventuais ajustes devem ocorrer.
— O governo não quer prejudicar ninguém. Por isso, abrimos o diálogo. Vamos buscar uma proposta que não exclua quem quer que seja.
A votação em plenário está marcada para terça-feira. Caso seja rejeitada, a MP perde a validade. Caso seja autorizada a continuidade da sua tramitação, ela volta às comissões até retornar ao plenário para o julgamento final do mérito. Posições de partidos como PT, PSDB e PP tendem a ser decisivas.
O que muda
A Medida Provisória reduziu as alíquotas de ICMS de 17% para 12% para indústrias e atacadistas. O comércio continua pagando 17%. Um produto que é vendido por R$ 100 da indústria para o comércio e por R$ 150 do comércio ao consumidor final.
Modelo antigo
Na venda da indústria para o comércio, a indústria pagava 17% de ICMS (R$ 17) e repassava um crédito de mesmo valor ao comerciante. Como o valor final era de R$ 150, o imposto total a ser pago era de R$ 25,50. O comércio, no entanto, pagava apenas R$ 8,50, já que possuía um crédito de R$ 17.
Modelo novo
A indústria passa a pagar apenas 12% de ICMS, creditando o comércio em R$ 12. Dessa forma, o comércio paga R$ 13,50, totalizando os mesmos R$ 25,50 de imposto. A indústria alega que há margem para redução de valores, já que está pagando menos. O comércio, por sua vez, alega que essa diferença não está sendo repassada.
Tramitação
A Comissão de Constituição e Justiça deu parecer pela inadmissibilidade. No plenário, a votação ocorrerá na semana que vem. É necessário maioria simples para arquivar a MP ou deixar que ela siga tramitando. Caso o governo vença essa etapa, a MP volta para as comissões. Em seguida, retorna ao plenário para o julgamento do mérito. Se for aprovada nessa etapa, vira lei. A MP foi publicada em 12 de abril e tem validade de 60 dias, prorrogáveis por outros 60. Caso haja a prorrogação e o mérito não seja julgado em plenário até 12 de agosto, ela perde validade, retornando ao sistema antigo.
Fonte: clicrbs