Por vezes nos deparamos com dúvidas e confusões na definição e aplicabilidade dos institutos da imunidade tributária, isenção, não incidência e alíquota zero e, deste modo, buscarei aqui elucidar e esclarecer, de forma simples e clara, as diferenças entre eles.
A imunidade tributária pode ser entendida como uma limitação prevista na Constituição da República de 1988 ao poder do Estado de tributar e, via de regra, assim o é para garantir e preservar outros direitos também constitucionalmente garantidos, tais como educação, assistência social, religiosos, dentre outros.
Na lição do doutrinador Luciano Amaro, “o fundamento das imunidades é a preservação de valores que a Constituição reputa relevantes (a atuação de certas entidades, a liberdade religiosa, o acesso à informação, a liberdade de expressão, etc), que faz com que se ignore a eventual (ou efetiva) capacidade econômica revelada pela pessoa (ou revelada na situação), proclamando-se, independente da existência dessa capacidade, a não tributabilidade das pessoas ou situações imunes” [1].
Retira-se do Estado o poder de instituir e cobrar determinado tributo sobre fatos, atos ou sujeitos, mesmo que estejam estes dentro daqueles que, a princípio, a tributação seria permitida.
O eminente doutrinador Ives Gandra da Silva Martins ensina que “na imunidade, não há nem o nascimento da obrigação fiscal e nem do consequente crédito, em face da sua substância fática estar colocada fora do campo de atuação dos poderes tributantes, por imposição constitucional” [2].
Para Aliomar Baleeiro a imunidades seriam “disposição da lei maior que vedam ao legislador ordinário decretar impostos sobre certas pessoas, matérias ou fatos, enfim, situações que define. Será inconstitucional a lei que desafiar imunidades fiscais” [3].
No atual texto constitucional, as mais importantes hipóteses de imunidades do sistema tributário encontram-se dispostas no artigo 150, sendo certo, contudo, que existem outros dispositivos na Constituição da República de 1988 que também se traduzem em imunidade seja de impostos ou outros tributos.
Importante que se observe que a imunidade possui origem constitucional, sempre advém da Lei Maior, não se confundindo, portanto, com a isenção, a não incidência ou mesmo a alíquota zero.
A isenção se mostra presente em legislação infraconstitucional, originária do ente tributante e em relação ao tributo de sua competência.
Isenção seria a exclusão, através de lei, da hipótese de incidência tributária, mesmo havendo o fato gerador, nos exatos moldes do que disciplina o artigo 175 do Código Tributário Nacional.
Tal entendimento, inclusive, é o adotado pelo Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento da ADI nº 286 da relatoria do ministro Maurício Corrêa [4].
Não obstante a isso, alguns entendem ser a isenção uma não incidência qualificada, porém, muito embora bastante parecidos, os institutos não se confundem, conforme abaixo se demonstrará, não sendo, portanto, esse o melhor entendimento.
Já o instituto da não incidência tributária, basicamente, se resumiria, de uma maneira pouco aprofundada, na hipótese de não ocorrer a tributação pela simples ausência de previsão legal para sua incidência. Ou seja, a legislação não prevê a incidência de tributação sobre determinado fato ou operação.
Existem, contudo, correntes que dividem a não incidência em simples e qualificada.
A não incidência simples é o fato de não haver previsão legal de incidência tributária sobre determinado ato, fato ou operação, já a não incidência qualificada se apresenta quando a lei, de maneira didática e, a meu ver, até mesmo desnecessária, de forma expressa prevê a não incidência de determinado tributo sobre determinado ato, fato ou operação.
A diferença entre a isenção e a não incidência qualificada é o fato de que naquele caso há o fato gerador, porém não há a exigência/pagamento do tributo, quando no caso da não incidência qualificada, o legislador exclui da incidência tributária o ato, fato ou operação (que já não se encontrava dentro das hipóteses expressas de incidência tributária), não havendo, portanto, fato gerador do tributo.
A denominada alíquota zero, por outro lado, na lição de Hugo de Brito Machado vem a ser uma forma de fugir ao princípio da legalidade, uma vez que a isenção somente pode ser concedida por lei e que, sendo a alíquota uma expressão matemática que indica número de vezes, que a parte está contida no todo. A expressão alíquota zero encerraria uma contradição em seus próprios termos porque zero não indica número algum, uma vez que zero não é expressão de parte [5].
Em resumo, o tributo existe, o fato gerador ocorre e há o cálculo do tributo — porém, por ser zerada a alíquota, o valor a pagar também o será.
[1] AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro, 24. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2021. p 177
[2] MARTINS, Ives Gandra da Silva; Sistema tributário na Constituição de 1988, 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 1991. P. 152.
[3] BALEEIRO, Aliomar. Uma introdução à ciência das finanças. 14ª ed. Rio de Janeiro, Forense, 1990. P. 283
[4] Disponível em https://jurisprudencia.stf.jus.br/pages/search/sjur99388/false (consultado em 20/09/2022)
[5] MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 29ª edição. Editora Malheiros. 2008, p. 138/139
Fonte: ConJur