A Receita Federal publicou uma orientação que restringe a compensação de créditos tributários obtidos por meio de ações judiciais. A Solução de Consulta nº 239, editada pela Coordenação-Geral de Tributação (Cosit), fixa prazo de cinco anos para o contribuinte utilizar esses valores para o pagamento de impostos. O entendimento preocupa empresas, principalmente as que conseguiram créditos bilionários na principal tese dos últimos anos, a que trata da exclusão do ICMS na base de cálculo do PIS e da Cofins.
A Klabin, por exemplo, calcula ter créditos de R$ 1 bilhão a receber, segundo fato relevante divulgado no dia 22. O Grupo Guararapes (que engloba a Riachuelo) informou, em dezembro, ter R$ 1,173 bilhão. As lojas Marisa registraram R$ 780 milhões em créditos, obtidos em decisão que transitou em julgado (não cabe mais recurso) em novembro de 2018, quando divulgou fato relevante. E o Magazine Luiza divulgou em abril deste ano, também em fato relevante, ter R$ 750 milhões.
“São bilhões de reais em créditos recuperados. O contribuinte levou 10 ou 15 anos para ter uma decisão favorável definitiva na Justiça e agora a Receita estabelece cinco anos para a compensação. Será impossível utilizar esses valores em um prazo tão curto”, afirma o advogado Rafael Gregorin, sócio do Trench Rossi Watanabe.
O advogado acrescenta que não há base legal para a imposição desse prazo pela Receita. “Essa solução de consulta acaba limitando um direito constitucional do contribuinte que possui decisão transitada em julgado”, diz.
Diante da limitação, as empresas, segundo advogados, podem seguir por dois caminhos. Ou pedem a restituição dos valores e aguardam a expedição de precatórios, a serem pagos no ano seguinte pela União. Ou passam a compensar esses valores e daqui a cinco anos levam a discussão para a esfera administrativa ou para a Justiça. Há precedentes favoráveis aos contribuintes.
A solução de consulta é fundamentada na Instrução Normativa (IN) nº 1.717, de 2017. A norma estabelece cinco anos para o contribuinte apresentar declaração de compensação, contados do trânsito em julgado da ação. O mesmo prazo, desde então, segundo advogados, é utilizado pela Receita para limitar o uso de créditos tributários.
O entendimento agora está expresso no texto da Cosit, que deve ser seguido por todos os fiscais do país. No item 13, a Receita afirma que “acerca da possibilidade de continuar as compensações até o esgotamento integral na hipótese de não ocorrer o exaurimento do crédito oriundo de decisão judicial transitada em julgado no prazo previsto na legislação, tem-se que não há base legal para que se proceda à compensação além do prazo de cinco anos”.
De acordo com o advogado Carlos Amorim, sócio do Martinelli Advogados, apesar de a Receita já dar essa interpretação à instrução normativa, a questão agora preocupa mais as empresas porque nunca tiveram créditos tão significativos, com as decisões que tratam do cálculo do PIS e da Cofins. “Antes as empresas acabavam consumindo esses créditos nos meses subsequentes. Agora muitas não vão conseguir em cinco anos compensar nem metade dos créditos”, diz.
A boa notícia, segundo advogados, é que existem precedentes favoráveis aos contribuintes. Matheus Bueno de Oliveira, sócio do Bueno & Castro Tax Lawyers, cita decisão do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf). Os conselheiros entenderam que o contribuinte deve exercer o direito de crédito (apenas habilitá-lo) antes dos cinco anos e que não há prazo para utilizá-lo (processo nº 10680.015558/2002-10).
Há também decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) neste sentido. A 2ª Turma, com base no voto do relator, ministro Herman Benjamin, definiu em 2014 que o prazo de cinco anos é para pleitear a compensação, e não para realizá-la integramente (REsp 1480602).
Em segunda instância, há precedente no Tribunal Regional Federal (TRF) da 4ª Região, no sul do país. Também indica que o prazo de cinco anos é apenas para homologação e que não há período prazo máximo para a compensação (processo nº 501677-69.2017.4.04.7001).
“Existem precedentes para discutir essa limitação. Se o contribuinte habilitou a tempo e a impossibilidade de compensação é por falta de débitos, não pode a Receita Federal dizer que o crédito perdeu validade”, afirma Oliveira.
O caminho a seguir, segundo o advogado Carlos Amorim, vai depender da postura da empresa e também de como está redigida a decisão transitada em julgado, para verificar o alcance dos créditos obtidos. Há possibilidade, acrescenta, de o contribuinte fazer a compensação durante o prazo de cinco anos e no fim dele pedir a restituição do restante.
Por serem valores relevantes, o advogado Gustavo Nygaard, sócio do TozziniFreire, diz que algumas companhias têm optado por pedir diretamente a restituição e a conversão em precatórios. Nesse caso, haverá o cálculo imediato dos valores devidos pela Receita.
Por meio da compensação, acrescenta o advogado, esses créditos são homologados e só depois a fiscalização vai analisar os valores calculados. “É possível questionar em juízo, mas se a empresa tem a expectativa de não poder compensar tudo em cinco anos, o melhor caminho é a restituição”, afirma.
Procurada pelo Valor, a Receita Federal informou, por meio de sua assessoria de imprensa, que não iria se manifestar. A Klabin também não quis comentar a questão. Riachuelo, Marisa e Magazine Luiza não deram retorno até o fechamento da edição.
Fonte: Valor Econômico / spednews.com.br