Dois anos após o início da pandemia, que transformou também as relações de trabalho, a MP 1.108/2022, que dispõe sobre a regulamentação do teletrabalho (ou home-office), finalmente foi publicada em Diário Oficial em 25 de março.

Além de modernizar a CLT, a medida também foi criada para corrigir os aspectos regulatórios que o uso maciço dessa modalidade evidenciou durante a crise da covid, aumentando a possibilidade de regimes híbridos de teletrabalho.

No pico das medidas restritivas, 8,2 milhões de pessoas trabalharam remotamente, segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), e a adoção definitiva da modalidade por centenas de empresas já é um caminho sem volta.

“É inegável que o trabalho remoto foi vital para a preservação dos empregos, mas também para dar continuidade à existência das empresas”, afirmou o advogado Robson Ribeiro Leite, em palestra realizada pelo Conselho de Orientação e Serviços (COS) da Associação Comercial de São Paulo (ACSP), nesta sexta-feira (08/04).

Porém, as empresas devem ficar atentas a alguns pontos específicos dessa MP para evitar sanções trabalhistas futuras. Em primeiro lugar, mesmo que a MP já produza efeitos imediatos, ela ainda depende da aprovação da Câmara dos Deputados e do Senado para ser convertida em lei. E nesse prazo, tudo pode acontecer, afirma.

“Essas mudanças não tratam apenas do trabalho remoto, mas de outros pontos da CLT, então podem ser feitas alterações”, alerta. “Mas como ela está em vigor, é preciso cumpri-la.”

A seguir, veja alguns pontos de atenção destacados pelo advogado para evitar sanções trabalhistas no futuro:

1- Conceito: A ideia de trabalho remoto foi incorporada à CLT em 2011 (art. 6º), mas o conceito e o detalhamento só vieram com a Reforma Trabalhista de 2017.

Porém, se a redação anterior considerava “prestação de serviços preponderantemente fora das dependências do empregador”, agora a MP diz que é nas dependências da empresa, mas “de maneira preponderante ou não”. A ideia foi permitir o trabalho híbrido, explicou.

Em resumo: mesmo que o funcionário trabalhe três dias por semana na empresa e dois em casa, ou vá apenas a reuniões, isso não descaracteriza a modalidade remota.

2- Duração do trabalho: O capítulo da CLT que trata do assunto (arts.57 a 75) contempla jornada de trabalho, horas extras, compensação de horas, intervalos, trabalho noturno etc. Porém, com a reforma trabalhista, trabalhadores em regime de teletrabalho deixavam de ter a proteção desses artigos da legislação.

Se antes esses trabalhadores se igualavam a quem exerce atividade externa incompatível com a fixação de jornada de trabalho, ou a de gerentes, a MP agora determina que só aqueles que trabalham por produção ou tarefa é que continuam sem essa proteção da CLT.

Segundo Robson Leite, esse é o ponto que merece maior atenção, pois a partir da MP, quem for contratado em regime de teletrabalho passa a ter direito às horas extras, se cumprir jornada superior à normal, e direito ao adicional noturno, se trabalhar à noite.

Daí a importância do controle de jornada desses trabalhadores, seja por registro eletrônico, mecânico ou manual, destacou.

Mas cuidado com esse último modelo: ele deve ser preenchido fielmente de acordo com jornada, se começou a trabalhar um pouco antes, ou depois, ou se não fez a pausa para refeições. Tudo deve ser informado.

“Também é bom as empresas e os departamentos pessoais investirem em tecnologias para realizar esse controle junto com o manual, pois, se houver discussão no futuro, esse formulário não terá valor probatório em ações trabalhistas”, destaca.

3- Contrato escrito: Pelo artigo 75-C, a prestação de serviços de teletrabalho ou trabalho remoto deve constar de um contrato individual de trabalho. A MP não alterou a necessidade de definir a modalidade por escrito, só excluiu a exigência de especificar as atividades que o empregado exerce.

Assim, para novas admissões, basta incluir a cláusula desse modelo no contato. Se for em contratos antigos, é só fazer um aditamento simples. Vale lembrar que permanece obrigatória a definição de quem será responsável pelos custos com equipamentos e infraestrutura para realizar o trabalho remoto. “Isso a MP não tratou”, disse o advogado.

Leite lembrou também que facilita copiar modelos desse tipo de contrato na internet. Mas cada empresa e cada trabalho remoto pode ter sua peculiaridade. “Muito cuidado para não manter cláusulas que podem ser prejudiciais juridicamente no seu caso.”

4- Tempo à disposição, sobreaviso: O art.75-B, parágrafo 5°, determina que o tempo de uso de equipamentos tecnológicos, de softwares, ferramentas digitais ou aplicações de internet destinados ao teletrabalho, mas utilizados fora da jornada normal, não podem ser considerados tempo à disposição, prontidão ou sobreaviso às solicitações do empregador – exceto se previsto em acordo individual ou convenção coletiva.

Porém, o advogado orienta que é preciso entender: é um notebook da empresa usado para fins particulares? Se sim, não será considerado tempo à disposição.

Agora, se é um sistema de uso exclusivo para o teletrabalho, que registra o horário que o funcionário se conecta e se desconecta, Leite entende que o texto legal não deve prevalecer em uma possível discussão judicial. “Ele até pode usar para fins particulares, mas não é porque usa durante esse período que será considerada hora extra.”

5- Horário e meios de comunicação entre as partes: O parágrafo 9° do mesmo artigo determina que um acordo individual disponha sobre horários e meios de comunicação entre empregado e empregador – desde que assegure repousos previstos por lei, como alimentação e descanso. A violação pode obrigar ao pagamento de horas extras.

Leite orienta a estabelecer em contrato quais os horários para comunicação, para evitar que o empregado responda mensagens de Whatsapp e e-mails enviados pelo empregador fora de horário. “São cuidados fundamentais. Não há necessidade de comunicação nos intervalos do teletrabalho se isso constar no contrato”, disse.

6- Normas coletivas e mudanças de endereço: Na pandemia, muitas pessoas mudaram para o interior, litoral e até para outros países para se isolarem, já que não era preciso comparecer todos os dias na empresa. Mas, se o empregador é sediado em um local, e o trabalhador em outro, qual norma coletiva vale?

Simples: de acordo com a MP, vale a norma da base territorial onde a empresa estiver instalada. “Foi uma iniciativa do empregado. Se ele decidiu mudar-se, as despesas do retorno ao trabalho e de locomoção não são de responsabilidade do empregador.”

7- Estagiários, aprendizes e prioridades: A adoção de teletrabalho ou trabalho remoto para estagiários e aprendizes também é permitida, segundo o parágrafo 6° do art.75-B. Mas recomendam-se as cautelas necessárias, como documento de anuência da instituição de ensino a que estão vinculados, destacou o advogado.

Se a empresa não puder colocar toda a equipe em regime de teletrabalho, o art.75-F determina prioridade aos trabalhadores com deficiência, ou empregados e empregadas com filhos ou responsáveis por crianças sob guarda judicial até quatro anos de idade.

Diário do Comércio

Fonte: Portal Contábil SC

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