BRASÍLIA — Por sete votos a quatro, o plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu nesta quinta-feira que as empresas podem contratar trabalhadores terceirizados nas chamadas atividades-fim, ou seja, no seu negócio principal. A decisão põe fim a quase quatro mil ações em tramitação nas instâncias inferiores da Justiça — apresentadas antes da reforma trabalhista. Além disso, a decisão do STF pacifica o entendimento sobre um dos pontos principais da reforma trabalhista, em vigor desde novembro de 2017, que já autorizava a terceirização em qualquer atividade da empresa.

Antes da reforma, os juízes trabalhistas tomavam suas decisões com base na Súmula 331/91 do Tribunal Superior do Trabalho (TST). Por ela, as empresas só poderiam contratar terceirizados nas atividades-meio, o que gerou uma enxurrada de ações judiciais.

No julgamento no STF, os ministros fizeram duas ressalvas: decisões judiciais já transitadas em julgado não serão reabertas. Apenas processos ainda em discussão. E a empresa que contrata os serviços de outra deve checar se ela é idônea e tem capacidade econômica, devendo inclusive responder pelos débitos trabalhistas e previdenciários se a terceirizada tiver problemas financeiros.

O julgamento, que consumiu cinco sessões do STF, só terminou ontem, com os dois últimos votos que faltavam: do ministro Celso de Mello e da presidente da Corte, ministra Cármen Lúcia, ambos favoráveis à liberação da terceirização. A decisão foi tomada em dois processos que chegaram ao STF em 2014 e 2016, mas há repercussão geral, ou seja, deverá ser seguida pelas instâncias inferiores em casos semelhantes.

Efeito na economia

Entre os ministros favoráveis à liberação da terceirização, foram comuns os argumentos de cunho econômico. Segundo eles, as restrições são prejudiciais ao trabalhador e à economia brasileira.

— Com a proibição da terceirização, teríamos, talvez, uma possibilidade de as empresas deixarem de criar postos de trabalho e aumentar a condição de não emprego — comentou Cármen Lúcia.

Outro argumento dos ministros foi o de que não havia lei vedando a terceirização, embora também não houvesse uma que a autorizasse expressamente. E, de acordo com eles, eventuais abusos na intermediação de trabalho seriam analisados na Justiça, uma vez que os direitos trabalhistas previstos na Constituição continuam valendo.

— Atos do poder público, à guisa de proteger o trabalhador, poderão causar muitos prejuízos ao trabalhador, pois, nas crises econômicas, diminuem consideravelmente os postos de trabalho — disse Celso de Mello.

Para a ministra Rosa Weber, no atual momento da economia brasileira, a liberalização da terceirização em atividades-fim tenderá a nivelar por baixo o mercado de trabalho:

— São a demanda e o desenvolvimento econômico que geram postos de trabalho, e não o custo da força de trabalho. A precarização das formas de trabalho não é uma variável no nível de emprego.

A decisão do STF tem reflexo imediato nas 3.900 ações paradas em instâncias inferiores, mas indica mais do que isso. Em março do ano passado, já tinha sido sancionada a nova lei da terceirização, que não era clara quanto à permissão dessa prática para atividades-fim. Em julho de 2017, foi sancionada a reforma trabalhista, deixando expresso que a terceirização é permitida. Há no tribunal outras ações questionando justamente a reforma trabalhista, mas que ainda não foram analisadas. Assim, o julgamento terminado ontem também é um prenúncio de como os ministros poderão votar nessas ações.

A decisão foi comemorada pelo setor produtivo. Os empresários avaliam que ela consolida parte da reforma trabalhista, dando segurança jurídica à terceirização. Por outro lado, foi criticada por sindicatos e advogados, que apontam o risco de uma precarização dos direitos trabalhistas.

— A partir de agora, há certeza de que os contratos de terceirização têm validade. Isso vai resultar em ganhos de escala e produtividade. A empresa terá liberdade de decidir se deve contratar um terceiro para agregar valor à produção. A gente deixa de ter uma jabuticaba e se alinha a países onde a terceirização é irrestrita, como Alemanha, China, Japão, Suécia, Austrália e Noruega — disse Cassio Borges, superintendente jurídico da Confederação da Indústria (CNI).

Mais questionamentos

Para o especialista Emerson Casali, a insegurança jurídica em relação à contratação de serviços fica para trás:

— E grandes passivos trabalhistas serão superados.

Já para Mauro Menezes, sócio do escritório Mauro Menezes & Advogados, a terceirização sem restrições terá impacto negativo no nível salarial, na segurança e na organização coletiva dos trabalhadores:

— Consideramos uma decisão que tem efeito negativo, pois tem um vetor no qual a liberdade de contratar supera paradigmas clássicos do Direito do Trabalho, como a proteção social, do ambiente do trabalho e da saúde e segurança do empregado.

Em nota, a Força Sindical criticou a decisão, alegando redução de direitos trabalhistas. Para a entidade, a terceirização irrestrita não cria empregos. “Cria trabalhadores de segunda categoria, sem o amparo de uma legislação específica”, diz o texto.

O advogado Luiz Marcelo Góis, do escritório BMA e professor da Fundação Getulio Vargas (FGV), avalia que uma questão ainda ficará pendente. Entre as decisões dadas no passado com base na súmula do TST, parte não se resumia a declarar a ilegalidade de um contrato de terceirizado. Há decisões estipulando que a empresa não recorra mais à prática de terceirizar. Apesar de o STF decidir que ações já concluídas não serão reabertas, esse ponto poderá voltar a ser questionado.

Fonte: o globo

MENU