Com a aprovação parcial da Reforma da Previdência, a atenção se volta para ações concretas que possam retomar a atividade econômica, que ainda patina e impede a expansão dos empregos, a face mais visível da crise. Mas há boas notícias para quem procura uma colocação mesmo em um momento difícil, como o atual. Existem atualmente áreas com carência de profissionais por deficiências históricas — como o segmento de saúde —, e outras que estão em transformação por causa de novas tecnologias — como marketing e finanças. Além disso, um novo cenário se desenha para o mercado de trabalho. A busca das companhias por maior produtividade será desafiadora para os profissionais, mas também pode trazer oportunidades.
Enquanto o futuro se descortina no horizonte, as empresas que lidam diretamente com recrutamento detectam aumento na procura por profissionais. A Catho, que conta com um dos maiores sites de classificados de empregos do País, confirma o aumento nas vagas. “A partir de 2018, depois de alguns anos de quebra, as contratações voltaram a aumentar. Registramos um aumento de 5% neste ano”, diz o CEO Fernando Morette. As regiões Sul (7%) e Sudeste (6%) puxam o aumento de posições ofertadas entre janeiro e maio, na comparação com mesmo período do ano passado, segundo a Catho. Agropecuária é o setor que mais cresceu, seguida de construção e serviços.

A boa notícia é confirmada pelos números oficiais. Ainda que a alta taxa de desemprego (12,3%) atinja 13 milhões de brasileiros, segundo o IBGE, foram criados 474 mil empregos formais nos últimos 12 meses no País, de acordo com o Caged. O maior avanço em postos se deu no Sudeste (227 mil), e proporcionalmente o maior crescimento ocorreu no Centro-Oeste (+1,93%) e no Sul (+1,48%). “O mercado é um organismo que responde às demandas da sociedade”, diz Ricardo Basaglia, diretor geral da companhia de recrutamento Michael Page. Para ele, a tecnologia vem transformando todas as funções, e não só as ultraqualificadas. Um exemplo é a saúde, que passa por um momento de consolidação na gestão de hospitais, laboratórios e equipamentos médicos. Outro é o varejo, em que o ambiente digital era um diferencial, e hoje passou a ser uma questão de sobrevivência. A era do marketing offline também ficou para trás.

As mudanças ocorrem em várias áreas. “As multinacionais acham que é fácil contratar por causa da grande base de desempregados. Mas a resposta não está ligada aos números. A qualificação da mão de obra não aconteceu. Quando começou a retomada, os mesmos problemas de antes da crise voltaram”, diz Raphael Falcão, diretor da Hays, empresa de recrutamento e seleção que atua em 33 países. “O ponto positivo é que o mercado de forma geral está mais aberto. É o que acontece com tecnologia, em que se busca um perfil comportamental adequado, e não só técnico.” Segundo ele, o Rio de Janeiro está vivendo um “boom” de petróleo e gás. Em São Paulo, há uma demanda enorme para profissionais bem formados com conhecimento de marketing, principalmente de ferramentas digitais. “Outra área de destaque é o RH, que precisa orquestrar os novos profissionais. Não existem mais os longos ciclos das marcas nas empresas. O RH é peça fundamental para catalisar a mudança da sociedade, como diversidade. É o primeiro a ser impactado. Deixa de ser assistencialista e precisa ter visão de performance.”

Agronegócio e tecnologia

No agronegócio, o Centro-Oeste registrou um aumento no número de empregos de 11,2% entre 2012 e 2018, segundo levantamento do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada, da Esalq-USP. Há uma oferta crescente nesse setor, que está espalhado por muitas atividades e municípios do interior, diz José Pastore, professor da FEA-USP e presidente do Conselho de Emprego e Relações do Trabalho da FecomercioSP. “O agronegócio está diminuindo a geração de empregos diretos, porém está estimulando uma franja de empregos de comércio e serviços”, afirma. “O crescimento do PIB das cidades do interior que têm agronegócio pujante foi bem acima da média nacional e das regiões metropolitanas.”

Tecnologia da informação (TI) é um dos principais segmentos com falta de profissionais. O setor abriu 43 mil vagas em 2018 e deve gerar 70 mil postos por ano, mas há apenas 46 mil formados anuais na área, segundo a Brasscom, associação das Empresas de TI e Comunicação. Um dos polos de crescimento é Santa Catarina, que tem o maior índice de startups por habitantes do país. São mais de mil vagas disponíveis nas cidades de Florianópolis, Joinville, Blumenau e Criciúma, segundo a plataforma Nift. A perspectiva é de expansão, segundo Daniel Leipnitz, presidente da Associação Catarinense de Tecnologia (Acate). Ele diz que é necessário buscar profissionais de outras regiões e até do exterior para servir as 12 mil empresas de tecnologia e startups locais. Uma delas é a Serasa Consumidor, fintech da Serasa Experian, que dobrou de tamanho nos últimos três anos e pretende chegar a 250 postos até dezembro, segundo o gerente sênior Giresse Contini. Sua unidade de Blumenau tem 32 oportunidades.

Outro polo é Recife. Lá, o Porto Digital, um centro de inovação que reúne 320 startups e empresas de diferentes portes — incluindo Microsoft, OI, Samsung, HP e Motorola — tem nesse momento 800 vagas abertas para profissionais de TI. Como há dificuldade em preencher as posições, foi feita uma parceria com o Centro Universitário Tiradentes (Unit) e a Fundação Dom Cabral, entre outros, para capacitar mão de obra. Só em 2020, estão previstas 2 mil novas vagas. A Accenture, multinacional de consultoria e gestão, é uma das companhias instaladas no local. Tem 2,5 mil funcionários no Porto Digital e quer chegar a 3 mil até o final de 2019. A companhia afirma que a operação local será dobrada dentro de dois anos.

Indústria

As montadoras — que representam o segmento com a maior cadeia industrial — estão em processo de retomada, após a crise. A Volkswagen é um exemplo. Está em meio à maior ofensiva de produtos de sua história, com 20 lançamentos até 2020. Sua fábrica de São José dos Pinhais (PR) recebeu R$ 2 bilhões para fazer o primeiro SUV nacional. Foram contratadas 60 pessoas e o segundo turno de produção da unidade foi retomado, depois de uma suspensão de 18 meses. Com isso, 500 empregados que estavam em layoff (suspensão temporária) retornaram ao trabalho. “A renovação completa da linha de produtos está fortemente apoiada na nova estratégia de regionalização”, diz Marcellus Puig, vice-presidente de Recursos Humanos.

O aumento nas vagas também foi sentido no Centro de Integração Empresa Escola, o CIEE, que faz o meio de campo entre as empresas e os jovens que buscam o primeiro emprego. Marcelo Gallo, Superintendente Nacional de Operações, diz que as ofertas cresceram 10% nos primeiros quatro meses desse ano em comparação a 2018 — para 190 mil. “Nos programas de estágio e aprendizagem o número de contratados subiu 5%, para 159 mil. Em alguns casos, o jovem aprendiz é o único que tem carteira assinada na família. Geralmente empregamos 30 mil pessoas por mês.”

A falta de qualificação dos candidatos ainda é um problema. É o que aponta a Prefeitura de São Paulo, que tem 24 Centros de Apoio ao Trabalho e dá mais de um milhão de atendimentos por ano. “Às vezes temos vagas que carecem de profissionais com conhecimento técnico. Quando não encontramos essas pessoas, mesmo sem formação no ensino médio, a posição fica aberta”, afirma Aline Cardoso, secretária de Desenvolvimento Econômico e Trabalho do município. “Há 4 mil vagas. Profissionais acreditam que só temos postos para pessoas com escolaridade baixa, mas não é verdade.”

Empresas geradas pela economia disruptiva, como Uber, Rappi e outras, estão absorvendo uma grande parte dos que não conseguem colocação em suas áreas de origem. “Essas novas formas de trabalhar estão incorporando profissionais de todos os níveis, mas não se pode dizer que estão contribuindo para reduzir o desemprego”, diz Pastore. Com a crise, já chega a quase 18 milhões o número de brasileiros que ganham dinheiro por meio de aplicativos, segundo o Instituto Locomotiva. Para a Fipe, eles levaram a um número maior nos serviços de entregas nas grandes cidades e ampliaram as oportunidades de trabalho e geração de renda. Isso beneficia empreendedores individuais e empresas, incluindo startups, que podem disputar espaço com companhias já estabelecidas, criando a reboque novos empregos formais para segmentos menos favorecidos. O cenário de empregos abundantes ainda está distante, mas os exemplos acima demonstram que oportunidades existem — e podem ser alcançadas.

Fonte: istoe.com.br

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